De idade, tinha apenas cinco. Mas
as marquinhas de sofrimento que a vida lhe causava, isso nem dava pra contar. Era
um garotinho gracioso, gostava de fazer desenhos, cantar, e fingir que era um
super-herói. Conversava muito consigo mesmo.
O pai, após assumir a sua
paternidade, resolvera se casar com a antiga namorada, e eles detestavam receber
o menino. A mãe, após perceber que não foi possível conquistar o rapaz através
da gravidez, resolveu abandoná-lo na casa de sua avó. Assim, ele passou a viver
com a avó que, já um tanto cansada da vida, vivia reclamando que nunca teria
paz, por ter que cuidar do “menino rejeitado”.
Toda vez que ele conseguia,
visitava a casa do papai, ou da mamãe, mas se sentia muito triste, pois
percebia que incomodava, era um problema. Eles não o queriam ali. Não o queriam
perto deles. Mas ele não sabia explicar o porquê.
Depois de muito pensar, resolveu
que a culpa era dele. Devia ter feito algo errado. Começou a desenhar e
desenhar. Como iria recuperar o amor das pessoas que eram suas donas? Um dia,
fez um desenho lindo, era um passarinho. Desenhou a gaiola e entendeu que pássaro
na gaiola não pode ser feliz.
“Já sei! Eles se sentem presos.
Sou criança, dou muito trabalho. Eu preciso libertá-los dessa gaiola. Preciso libertar-me da gaiola. Preciso
voar. Se eu voar, eles irão perceber que posso me cuidar sozinho. Se eu voar eles poderão me amar”.
Quando uma ideia nova chega e
invade a cabecinha de uma criança de cinco anos, não é de se esperar que ela
desista tão facilmente. Começou a analisar os pombos que viviam invadindo o seu
quintal. Precisava de penas, muitas, pois ele era maior que aquelas
pombinhas. Será que dava pra fazer uma asa com lençol? Fez um desenho no seu
lençol, a avó entrou no quarto, um tanto desconfiada, ele deitou em cima,
fingiu que dormia. Quando a avó saiu, ele correu a cortar o lençol, na forma de
duas asas. Amarrou em seus bracinhos, com muita dificuldade.
“Eu vou conseguir”, pensava o
garoto, “agora eu tenho asas”. Foi até a janela do quarto, morava no oitavo
andar, subiu bem na beira da janela, respirou fundo. “Eu sou um super-herói, eu
sou um super-herói”. Fechou os olhos. Abriu os braços. A avó apareceu na porta
do quarto. Gritou: “Menino, o que você pensa que está fazendo?” Ele abriu um
sorriso largo, ainda de olhos fechados, virou pra ela e disse:
“Não se preocupe, vovó, eu sou um
pássaro. Só quero voar. Assim, vocês terão liberdade e vão poder gostar
de mim.”
Antes que a vovó conseguisse pensar, antes que ela conseguisse
alcançá-lo, ele gritou: “eu só quero voar, vovó”.
Abriu os bracinhos.
Voou.
Cristiane Figueiredo
